A desmilitarização é uma urgência



Num momento crucial em que a sociedade brasileira assiste à discussão dos "rolezinhos", a atuação da polícia passa despercebida pela cabeça da maioria das pessoas que pensa a história por um viés linear. Acontece que, como o negro, favelado, periférico é enxergado como o outro, ou o "não-eu", como aponta a filósofa Marilena Chauí, mesmo que esses jovens, sem acesso a bens culturais (como praças, clubes e outras iniciativas do poder público), não tenham quebrado nada nos Shoppings onde passaram, ainda assim devem ser considerados como "bandidos", "marginais", "por causa de sua roupa", "por estar perturbando a ordem pública", "porque o shopping é um lugar privado", "porque estavam causando baderna".

Não precisaram chegar a causar depredação. A classificação de de baderna dá conta da primeira violência vertical aplicada a esses jovens. São baderneiros porque se vestem como baderneiros, diziam ontem uma senhora na rua. Vestem-se com a máscara do outro, o "não-eu", o violento, porque eu, branco, filho da elite, descendente de europeu não sou violento.




O mesmo se dá com os demais grupos sociais, como índios e negros em geral, amontoados nas penitenciárias, sendo decapitados em Pedrinhas ou exterminados pela eugenia da polícia militar.

Nesse momento, é crucial discutir a desmilitarização de nossa polícia. Esse aparelho arcaico, herdeiro dos (des) governos militares que esse país teve desde a passagem oitocentista para um novecentos ainda agrário, com a acentuação das oligarquias dominadas por esses milicos inconfundivelmente incompetentes e autoritários. Assim é a história do Brasil: a história vergonhosa dos vencedores. E os meninos do "rolezinho" não são vencedores.

Com a chancela dessa história vergonha, as polícias brasileiras, em especial a civil e a militar herdam a máscara corrupta e miserável da repressão ao cidadão. "Ah, mas o cara é traficante". É como se ele deixasse de ser um cidadão, um civil porque trafica e, tendo se tornado um traficante, um alienígena, mereça ser eliminado. Eliminado por quem? Pelo cão de raça do Estado, a polícia. É a vergonhosa voz de nossas elites muitas vezes reproduzida por quem é filho da chibata, da senzala suja e não da Casa Grande.

A polícia trata o cidadão como inimigo. O dever dela não é manter a  ordem pública, mas a ordem dominante, o status quo. O dever dela é proteger o Capital. É impedir o "rolezinho" de quem é da periferia, de quem é negro porque o negro, o índio assustam porque são o outro, o violento.

Desmilitarizar essa polícia é apontar as armas para o inimigo certo: a desigualdade. Um cidadão que mata o outro merece ser punido com medidas que respeitem os direitos humanos. Em uma penitenciária estatal limpa, com condições de qualidade, com comida de qualidade e atividades para ocupar a mente, com aparato de vigilância da conduta 24 horas por dia, com tecnologia própria.

Os aparatos conservadores atuais ou agem de modo compensatório ou do mais reacionário possível. A eugenia dá conta da limpeza que nossa polícia, seja pelas tropas oficiais, seja por forças paramilitares, faz na periferia ao exterminar a juventude negra. É da juventude negra que estamos falando. A mesma que saiu das senzalas pros morros, com total abandono do Estado que não lhe deu saúde e educação de qualidade. A mesma que, abandonada à própria sorte, tornou-se um campo de batalha onde as contradições levaram a abismos tantas vezes difíceis de compreender. Essa periferia precisa de ajuda e não de polícia militarizada.


Por Gabriel Nascimento