A redação do “miojo” deveria ser mais um detalhe





Quando abro os jornais e vejo o tempo que eles gastam criticando a avaliação do ENEM sobre uma redação como a do “miojo”, fico profundamente assustado com nossa imprensa. Concluo que ou ela se autoafirma ideológica de vez ou promete muita neutralidade para um oligopólio comunicativo que apoiou a ditadura no Brasil.

Primeiro, nem devemos nos cansar com essa imprensa conservadora. Provavelmente, todos aqueles que estão achando um absurdo a nota da redação do “miojo” deviam ler um pouco mais, quem sabe o documento norteador da prova do ENEM, que sempre esteve lá, disponível no site para qualquer um (qualquer um! Inclusive jornalistas desinformados!) consultar. São cinco competências básicas, pois se trata de uma prova com avaliação fragmentada. O avaliador não corrige o conjunto, pois a ideia é cumprir o disposto na legislação educacional em vigor. Os jornalões não sabem disso. Os colunistas de O Globo não sabem disso. Se são cinco competências, a história do “miojo” só pode ser julgada dentro de uma delas: a competência de coerência em relação ao tema. Acontece que essa competência só vale 200 pontos, sendo que no resto o aluno tem desempenho regular, somando a nota dada pelo avaliador.

A nossa imprensa não consegue entender isso porque não é progressista, não acompanha as discussões acerca da Educação Brasileira e não entende nada de avaliação da aprendizagem. Nossa imprensa é sim aquela racionalista, tecnicista e aliada da Direita mais atrasada. Age contra tudo que seja progressista porque ganha dos investidores internacionais o seu sustento, mas não se importa nem um pouco com o brasileiro porque sonha com um país de escolas particulares, de universidades particulares, onde o Estado seja definitivamente mínimo. Não entende de física e chama um físico para comentar. Não entende de linguagem, mas se sente no direito de sair criticando a avaliação feita em uma redação, ao invés de convidar um linguista. É uma mídia ignorante em relação a todas as discussões e achados científicos da ciência da linguagem. A receita do “miojo” não podia ser colocada ali e a avaliação foi justa, levando em conta outros fatores. Um texto não pode ser jogado no lixo por causa de uma de suas características. A avaliação de um texto não pode ser do todo, mas das competências ali construídas e do modo que foram ali construídas.

Quando vejo os problemas agora apresentados em relação ao ENEM, fico pensando que todos resolveram esquecer os problemas do nosso obsoleto vestibular: o método arcaico de memorização, a indústria criada para aprovar no vestibular, explorando um mercado milionário para a entrada na universidade pública, entre os erros e as tentativas de favorecimento em cursos universitários destinados à elite. Ou é isso ou é a eleição de 2014 chegando e a Globo, Veja, Estado de S. Paulo e demais setores dessa mídia que apoiou os militares, ressentida do sucesso de Lula e falida com sua ordem social coronelista, meritocrática, reacionária e conservadora, atacando cada detalhe.

Não é a primeira vez que nossa imprensa resolve falar de linguagem. Já ofertou programões de “como falar bem”, ignorando pressupostos científicos sobre a linguagem produzidos nos últimos quarenta anos que criticam essa nomenclatura (não existe falar “errado” ou “falar certo”, simplesmente!), já criticou um livro didático por ensinar a “falar errado”, quando na realidade o livro apresentava a variedade linguística brasileira e agora resolve comentar a redação do ENEM. Todos os linguistas e cientistas da linguagem deviam ignorar seus diplomas e aventurarem a vida de jornalista. Não é primeira vez. E como das últimas vezes que a nossa imprensa se autoproclamou “sabedora” de Linguística, essa não será diferente: tudo não passará de um infeliz detalhe.


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Por Gabriel Nascimento