Somos racionais?




Primeiro vamos desenhar o conceito social de “selva” para que não reste dúvidas: ideologicamente relacionada a um habitat natural de animais “irracionais” a selva é o antônimo menos suave de “civilização”. Os ditos animais “irracionais” se diferem de nós, “racionais” porque não são desorganizados culturalmente. Os mais tecnicistas de nossa sociedade ainda diferem os animais “irracionais” caracterizando tais animais como “animais que não respeitam leis”. Será? A ciência não aprova essa ideia.


Fato é que o mesmo ser humano que fala em leis não classifica o outro, da mesma espécie, como irracional por ter matado muitos de sua espécie durante as Cruzadas, a escravidão sem limites, ou na Primeira Guerra e na Segunda. Não, esses são “conquistadores” mesmo! Desde Alexandre, O Grande até o pintor mais genocida da história: Adolf Hitler. Qual seria o critério para analisar o que é “irracional” e em que este se apoia? A construção do termo “racional” está, em uma das hipóteses, ligada ao conceito de dominante. Por isso já se pensou, na História da Humanidade, (e ainda se pensa!) em povos mais inteligentes que outros, ou sob o olhar idealista radical, povos “superiores”, revelando a prática mais dura do etnocentrismo. Somos racionais? Pense a cena: um navio negreiro traz negros da África, em plena década de 60 do século XIX, no Oceano Atlântico, quando o seu capitão vê a sua frente a Real Marinha Inglesa. Our! Os ingleses proibiam o tráfico porque queriam explorar a África e precisavam de mão-de-obra lá no Continente negro. Os brasileiros traficantes então amarram cuidadosamente cada negro numa rede e os atira ao mar. Estão mortos! Quem? “Os animais!” A carga humana agora é dejeto e não vai gerar probleminhas pros traficantes! Isso é ser racional?

Em suma várias teorias dos séculos XX e XIX já nos deram arcabouço suficiente para repensar a construção da Modernidade. A Antropologia nos revela que nenhum povo é mais inteligente que outro, a psicologia freudiana nos aponta que não somos “tão conscientes” do que fazemos como pensamos, Marx revela que o homem entregou-se à alienação fácil nos modos de produção capitalista, Gardner imprime a possibilidade de que ninguém é mais inteligente que ninguém, pois cada pessoa possui habilidades para coisas definidas, e todos têm suas habilidades (eu sou habilidoso em coisas que o meu amigo não e ele é habilidoso em coisas que eu não sou). Parece simples? Por que então foi tão difícil conseguir aprovar uma lei rígida que defenda a integridade das mulheres, ou a lei que pune quem discrimina o outro pela cor ou etnia, ou quem sabe afirmar por que é tão difícil ter uma lei que puna a discriminação homofóbica. Idosos continuam vítimas fáceis, o candomblé continua sendo dotado como “do demônio”, sem que as pessoas relacionem essa prática como a discriminação ao negro. Jesus continua de olhos azuis mesmo tendo nascido parecido com o Osama Bin Laden, mestiço e afro.

A última é a discriminação quase absurda dos povos das regiões mais privilegiadas aos povos das regiões mais pobres. É o caso do Sudeste com o Nordeste. Todos nordestino é baiano em São Paulo. Baiano se tornou um adjetivo negativo. Quiçá alguém soubesse explicar porque tantos gênios da cultura baiana povoaram a cultura nacional (escritores como Jorge Amado, Adonias Filho, cantores como Dorival Caymi, Daniela Mercury, Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Gilberto entre outros tantos milhões de estrelas da música, do cinema e do Teatro). A Bossa, senhores, foi criada no Rio, mas sem João Gilberto, baiano com dedilhados mágicos, não teria sido a mesma, já que foram os dedilhados dele que fundaram aquilo que orgulha cariocas.

Somos mesmo “racionais”? Não proponho desconstruir o termo, mais refletir a hipocrisia quase intolerante que faz com que ele exista. Viva a diferença!


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Por Gabriel Nascimento